sábado, 11 de julho de 2009

Faz sentido debater a (in)existência de Deus?

Membro: ARNÓBIO
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Estava acompanhando a discussão no fórum PROVA DOS NOVE DE ATEISMO. Vi que há bons argumentos, tanto entre os teístas quanto entre os ateístas deste precioso grupo.

Um ponto positivo para a ciência é que ela mesma é incomparavelmente humilde, pois não só aceita que suas convicções sejam negadas como se esforça para negá-las, sempre visando à própria evolução. Quando uma nova teoria científica é testada e considerada mais abrangente e completa, pode substituir uma antiga, e de forma inexorável, sem importar quem eram os pesquisadores ou grupos de pesquisadores que se tornaram obsoletos. Isso aconteceu até mesmo com o grande Isaac Newton, cujos limites da obra foram expostos com as pesquisas quânticas. Diz Kuhn: "Em geral uma teoria científica é considerada superior a suas predecessoras não apenas porque é um instrumento mais adequado para descobrir e resolver quebra-cabeças, mas também porque, de algum modo, apresenta uma visão mais exata do que é realmente a natureza" (ver no livro Estrutura das Revoluções Científicas, de Thomas Kuhn, a forma como evolui a ciência).

Paradoxalmente, alguns cientistas que fazem essa ciência não possuem a mesma humildade. Apesar de estarem cheios de dúvidas básicas até em relação a um simples organismo (HIV), consideram-se seguros para afirmar que Deus não existe. Os prêmios científicos de outrora encheram-lhes de tal modo o ego que se sentem seguros para fazer afirmações sobre questões que não pesquisaram. Quando se trata de sua ciência, aceitam o fato de que ela pode progredir, negando integral ou parcialmente afirmações feitas pelos seus colegas no passado, ou por si mesmo no dia anterior. Mas, quando se trata de religião, arvoram-se em fazer afirmações definitivas e assumem também posturas definitivas. Esse paradoxo é um tipo de cegueira de analfabetos. Felizmente, muitos cientistas não cometem esse pueril equívoco!
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É o dogmatismo da religião tradicional que colabora para despertar a desconfiança da racionalidade científica. A tendência em aceitar conceitos supostamente impermeáveis à razão é que cria essa divergência desnecessária entre ciência e religião, pois a religião não precisa disso. Jesus e Paulo fizeram afirmações em bases seguras e pareciam não depender da morte para confirmar suas convicções. Jesus afirmava que seus ensinamentos eram baseados no “testemunho do que vimos” (Jo 3,11), sugerindo certezas baseadas em experiências. Paulo desafiou a Meca da racionalidade da época, em seu próprio campo, dizendo que poderia apresentar o Deus desconhecido pelos gregos (Atos 17,23). A vazão ao credo quid absurdum, no culto ao mistério e ao desconhecido, é considerada inevitável no seio dessa espiritualidade dogmática, mas talvez não passe de falta de iniciativa para a investigação, preferindo a teologia insistir nos conceitos que um dia constituíram o núcleo de uma realidade hoje considerada retrógrada, decadente e ultrapassada.

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Como falar de Deus sem a experiência de Deus? Com base em que se supõe que a memorização de textos sobre o Imensurável concede a alguém o saber sobre Ele? “A experiência detém uma posição insuperável frente ao saber e frente àquele ensinamento que provém de um saber geral e teórico ou técnico”, é o que nos diz o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer. A teoria pretende antecipar experiências ainda não realizadas e, nesse caso, trata-se de conhecimento especulativo, apenas com pretensões para firmar-se como verdade. A cadeia de conhecimentos teóricos encontra o correto direcionamento quando a experiência confirma-os ou não. A teoria subsiste enquanto não foi possível uma experiência; na experiência, é elevada a saber e é esse saber que vai constituir a sabedoria, pois saboreada foi a verdade. O filósofo O.Marquard reforça a idéia: “experiência sem filosofia é cega; a filosofia sem experiência é vazia: não se pode ter realmente filosofia sem a experiência em relação à qual ela é a resposta”. Ficaria mal trocarmos aí "filosofia" por "teologia"?

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Nossas concepções mudam com nossas experiências. Concordamos com conceitos que antes não aceitávamos e negamos muito do que já abraçamos um dia, sempre depois de alguma experiência. Que mundo era aquele de nossa infância, povoado com tantas fantasias desfeitas ao encontro inexorável da dura realidade, experienciada muitas vezes a ferro e fogo? A experiência carrega um potencial para o inusitado, o indeterminado, num jogo constante de sombras dispersas pelo clarão de novos saberes: “quando fazemos uma experiência com um objeto significa que até então não havíamos visto corretamente as coisas e que só agora nos damos conta de como realmente são". A ciência, portanto, calcada em bases experienciais, caminha segura. O equívoco de seus guardiões é tentar penetrar no campo espiritual utilizando os mesmos paradigmas de sua ciência, como se fosse possível adentrar no mundo da matemática utilizando-se os mesmos instrumentos da química - um cadinho para medir a velocidade da luz! Diante da impossibilidade de compreenderem a religião com uso de seus pressupostos, equivocam-se ao desqualificá-la e por ignorarem que ela pode assumir o caráter científico utilizando-se de critérios singulares.

A questão, então, é: e se pudéssemos testemunhar a Divindade? Experimentá-la em termos reais, com todos os sentidos, com toda a inteligência, razão e intuição, sem intermediários? Não existirá uma ciência da religião com parâmetros próprios, com técnicas únicas de observação? Os profetas do Antigo Testamento não revelaram suas técnicas para falar com Deus, mas alguém teria feito?

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Um único encontro real com Deus, ou o que quer que se possa chamar essa Consciência que sustenta a vida e a energia do Universo, seria suficiente para que o ateísta refizesse seus conceitos e que o teísta ajustasse suas crenças, agora transformada em fé (fides, no sentido lato: "prova" das coisas que não se vêem, como propôs Paulo), comprovando por si mesmo o que haviam dito os profetas e iluminados de todos os tempos. Que tal ouvirmos um pouco desses que afirmaram ter tido experiência real com Deus, que comprovaram com seu exemplo de vida essa experiência e que foram capazes de elaborar uma pedagogia capaz de conduzir qualquer pessoa disposta a resolver esse enigma colossal até ao altar onde se desfazem todas as dúvidas?

Uma aposta nessa pedagogia, feita não de forma cega e crédula, mas numa postura de abertura e coragem para testar o que vai sendo proposto em cada fase, sempre com uma ponta de dúvida saudável (uma postura científica desejável), sem a busca de respostas rápidas e imediatas, testando a si mesmo no caldeirão dos acontecimentos da vida fática, produziria um intenso clarão de luz, o bastante para trazer à tona a verdade das escrituras de todos os tempos e povos e, mais ainda, o suficiente para emergir uma consciência que nem as cabeças mais criativas e utópicas seriam capazes de sonhar. Não mais discussões vãs, desrespeito ao momento do outro, querelas intermináveis sobre uma questão que deve sim é ser vivida na clareza da vida cotidiana, testemunhada pela alegria da vida dedicada ao saber e ao sabor real da Verdade tão buscada em todos os tempos pelos visionários que se perderam por falta de uma pedagogia agora disponível a todos.

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É de Paramahansa Yogananda essa afirmação: "Um físico cético tem o direito de expressar sua opinião, mas continua sendo apenas uma opinião, não um fato. Na ciência física, certos procedimentos devem ser adotados e seguidos, para provar a verdade de qualquer teoria. Os micróbios são invisíveis a olho nu; é preciso usar um microscópio para detectar sua presença. Se uma pessoa se recusa a olhar pelo microscópio, não se pode dizer que tenha testado cientificamente a teoria de que os germes estão ali. Sua opinião, portanto, não tem valor, visto que não observou os critérios prescritos para chegar à verdade da teoria. O mesmo se dá com assuntos espirituais. O método foi descoberto, as regras estabelecidas e o resultado está à disposição de qualquer um que esteja bastante interessado para experimentar. No mundo ocidental, por falta de um tratamento científico à lei espiritual, o valor da religião foi profundamente subestimado como fator vital na vida do homem, e as doutrinas espirituais são aceitas ou rejeitadas, com base apenas em inclinações pessoais e não como decorrência da investigação científica".

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Enquanto salas de bate-papo e sites de relacionamento reproduzem essa discussão sem sentido, se Deus existe ou não, muitos cientistas continuam corajosamente suas pesquisas na busca pelo contato real com a Divindade. Fazem de sua própria consciência duros campo de testes para travar sangrentas batalhas contra as tendências forjadas pela natureza que, por ter-lhes oferecido espaço de morada, cobra-lhes um caro preço pela atitude radical de tentarem ultrapassar e transcender as condições impostas.

A discussão sobre Deus, para tentar provar que Ele existe ou não, é uma boa fonte para divagações filosóficas, mas também para muita confusão. Promove rivalidades e dissensões, pois o calor do debate enfraquece o fio condutor da lhaneza e da afabilidade. Saber emocionalmente da (in)existência de Deus, com base na cultura familiar e social ou de forma especulativa (filosófico-teológica) não é verdadeiramente um saber, pois constitui posição instável, arriscada à negação diante de uma decepção ou à confirmação perante uma catástrofe. Para saber se Deus existe ou não é necessária essa investigação profunda, seguindo o roteiro deixado pelos grandes pedagogos que, após grande esforço e dedicação de muitas vidas, testemunharam por si mesmos a onipresença e onipotência do Senhor de todos os mundos.

Será que realmente testemunharam ? (...)

Arnóbio Albuquerque, M.Sc.

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