sábado, 11 de julho de 2009

PanDarwinismo

Membro: IBA MENDES
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O radical grego “pan”, como todos sabem, significa tudo, todos. . Trata-se do mesmo elemento usado, por exemplo, nas palavras: pan-americanismo (doutrina que preconiza a união política e a solidariedade de todos os países da América), panteísmo (sistema filosófico que identifica Deus com o mundo) etc. Pandarwinismo, seria, portanto, tudo em torno de Darwin. Tal neologismo (que acabei de criar) expressa de algum modo certa tendência darwinista, a qual fora transformada numa espécie de panacéia, a qual - arrogantemente – busca explicar tudo sem explicar nada; uma espécie de “remédio evolucionista” para todos os males ou dilemas que norteiam as nossas vidas. Daí as infinidades de “estorinhas” que comumente surgem como que num passe de mágica para explicar também a ocorrência das mais diversas características dos seres vivos.

“Uma vez que a seleção natural guiou o processo de evolução”, escreve Nélio Marco, “acaba-se arrumando uma ESTÓRIA que explique, por exemplo, a “vantagem adaptativa” de possuir orelhas. Homens sem orelhas teriam uma reduzida audição e teriam sido exterminados por predadores, ou por tribos de homens primitivos, com orelhas. Já que não existe a menor evidência da existência dos “homens sem orelha”, tais estórias ficam sendo do tipo “acredite se quiser”. Mesmo porque a orelha é feita de cartilagem, que é um tecido que se decompõe facilmente e não deixa registro fóssil”.

* Fonte:
Nélio Marco – “O que é Darwinismo” – Editora Brasilienese – pg. 80.

Tratando das objeções no darwinismo, o genial escritor José Osvaldo de Meira Penna, em seu não menos genial “Polemos: uma análise crítica do darwinismo”, cita algumas ponderações extraídas dos escritos Karl Popper, nos quais este põe em dúvida o darwinismo na base do condicionamento científico daquilo que é testável, e no qual faz sobressair esta questão:

“Creio que o darwinismo” — escreve Popper — “deve amplamente ceder lugar à idéia de que, em quase todos os estágios da vida, existe um repertório inteiro de reações concebíveis perante uma determinada situação”. Popper compara o efeito do darwinismo nas mentes do século XIX ao que o marxismo e o freudismo causaram no século XX, “o efeito de uma conversão ou revelação intelectual, abrindo os olhos a uma nova verdade, escondida dos ainda não iniciados”. Uma teoria que pretende explicar tudo nada explica, pondera Popper. Os pacientes de Freud tornam-se conscientes de seu “complexo de Édipo”: os de Adler, de seu “protesto viril”; os de Jung, da incidência dos “arquétipos”. Os pesquisadores darwinistas descobrem por toda a parte indícios da seleção natural; os lamarckistas, indícios da hereditariedade dos caracteres adquiridos; os católicos convictos, da mão de Deus. “Uma visão errônea da ciência se revela na ânsia de estar com a razão”, rebate Popper.”

* Fonte:
José Osvaldo de Meira Penna. “Polemos: uma análise crítica do darwinismo. Editora UnB (da Universidade de Brasília). Brasília, 2006.

E, para fechar este tópico, volto ao Nélio Bizzo, só que agora tratando do seu ensaio“Darwinismo, ciência e ideologia”. Aqui este autor (um autêntico evolucionista), desvinculado do dogmatismo tão comum em darwinistas deslumbrados, trata a questão pelo viés da sociobiologia. Os destaques em negritos são por minha conta:

“Darwin é, ainda hoje, um dos maiores alvos de paixões intelectuais, mas não é todo dia que nasce uma nova ciência. Esse acontecimento excitante costuma merecer uma capa de revista e o lançamento de algum livro polêmico.De fato, a edição de 15 de agosto de 1994 da revista Time trazia o título: “infidelidade: pode estar em nossos genes”, anunciando uma nova “psicologia evolucionista”.

Tratava- se do lançamento nos Estados Unidos do livro “O animal moral”, de Robert Wright, recentemente traduzido para o português pela Editora Campus, o que confirma o dito popular que diz que notícia ruim chega rápido.

O livro tem uma arquitetura muito interessante. Ele procura responder a intrigante pergunta de porque somos o que somos do ponto de vista de uma visão particular do evolucionismo darwinista. A estratégia é inovadora. Alguns episódios da vida do grande ídolo de Robert Wright, Charles Darwin, são relatados e analisados, apresentando algo próximo de uma versão “darwinista” do darwinismo.

Quais as vantagens adaptativas que Charles Darwin teve ao desposar-se com Emma? Qual teria sido o impulso evolutivo que o teria levado a apresentar a público suas teorias quando percebeu que um competidor se aproximava das mesmas conclusões, comprometendo sua paternidade intelectual?

O passo seguinte será procurar demonstrar que esses casos não se devem a nenhuma particularidade histórica, mas seriam apenas manifestação de uma tendência biológica universal, a que todos estamos sujeitos.

Dentro dessa ótica, o comportamento social humano seria apenas e tão somente o resultado da expressão de genes incrustrudos em nosso material genético, que a seleção natural teria cuidado de apurar com o decorrer das gerações.

Seria possível agora entender a disputa entre Aquiles e Agamenon, na llíada, por uma bela escrava, e porque os filhos nascidos dessas conquistas eram tolerados pelas esposas legítimas, sendo homens livres e utilizando o nome do pai biológico.

A “psicologia evolucionista” poderia até mesmo transformar em paradigma biológico, verdadeiro objetivo perseguido pela natureza, a mulher grega da época heróica de Homero, a reprodutora que cuida da casa, dos filhos e das escravas, que o marido transforma em concubinas a seu bel-prazer. Da mesma forma, a prostituição, protegida pelo Estado em Atenas, poderia também ser um imperativo biológico. Os jônios, quem diria, poderiam agora ter seu comportamento sexual e sua organização social explicados pela “nova ciência” e, ainda por cima, verem-se transformados em exemplos modelares da evolução biológica do comportamento moral.

É bem verdade que esta não seria a primeira tentativa. Basta lembrar que há pouco mais de vinte anos manchetes anunciavam uma nova ciência e um livro revolucionário: “Sociobiologia: A nova síntese”. Seu autor, Edward Wilson, de Harvard, pretendia explicar os comportamentos sociais humanos, e a própria organização social, sob a ótica do darwinismo.

Os supostos genes que determinariam a riqueza dos indivíduos, posição social, sucesso empresarial e até mesmo a cultura (!), profetizados na época pela sociobiologia, provaram ser apenas mais um exercício de ficção científica ou de proselitismo ideológico.

Robert Wright retoma a questão, agora com cuidados adicionais. Em primeiro lugar, ele possui credenciais científicas poderosas, como Edward Wilson continua tendo, pré-requisito essencial para os candidatos a êmulos de Darwin.

O que nos diz de novo a “psicologia evolucionista”? Numa discutível aproximação freudiana, ela estaria centrada na “psicologia sexual, que inclui tudo, desde o amor-próprio instável de um adolescente aos juízos estéticos que homens e mulheres fazem uns dos outros, os juízos morais que fazem uns dos outros, e mesmo os juízos dos que pertencem ao seu próprio sexo.” Existiria uma diferença básica entre a moralidade do homem e a da mulher, uma vez que “grande parte dessa psicologia sexual humana decorre da escassez de ovos (sic) se comparados aos espermatozóides.”

A capacidade de produção de células reprodutivas é muito diferente em homens e mulheres e, segundo Wright, isso não seria um detalhe menor para explicar o comportamento sexual e moral humano. O homem estaria ciente de que dispõe de um arsenal gamético ilimitado, o que lhe permitiria “atirar a esmo” em combates com o sexo oposto, enquanto a mulher teria consciência da limitação numérica de sua munição reprodutiva, o que a obrigaria a optar pela estratégia do “tiro certeiro” para assegurar sua reprodução.



Até aqui estamos ainda estacionados na retórica Sociobiológica da década de 1970. As inovações tomarão — sinal dos tempos — a forma de estruturas biológicas virtuais: os comportamentos seriam produzidos por “órgãos mentais”, localizados no cérebro, embora sejam tão invisíveis quanto a memória ROM dos computadores.

Esses “órgãos virtuais” seriam, como qualquer outro órgão, determinados pelos genes. Esses genes, e não os comportamentos que determinam, é que teriam sido selecionados ao longo das gerações. Desta forma, as concepções morais humanas poderiam ser tão “biológicas” quanto o ato de respirar ou de fazer a digestão. Os órgãos específicos que se encarregariam dessas tarefas seriam esses “Órgãos virtuais” supostamente localizados no cérebro, que teriam introjetado comportamentos na mente humana. E quais seriam esses comportamentos, essa “moralidade natura] biológica”?

Os homens estariam programados para classificar as mulheres em uma de duas categorias: santa ou prostituta. Algumas mulheres (as santas) teriam como estratégia reprodutiva escolher um homem com posses e poder suficiente para assegurar uma vida tranqüila para si e para seus “ovos”. Elas seduziriam o escolhido, e só permitiriam relações sexuais após o casamento, quando o compromisso estivesse solidamente estabelecido.

Esta teria sido a estratégia de Emma Weedgwood, a primeira “santa” do evangelho darwinista. Wright enfatiza que “se a dicotomia santa prostituta estiver firmemente enraizada na mente masculina, o sexo prematuro com uma mulher pode sufocar o amor nascente”.

O cientista-conselheiro matrimonial arrisca um palpite para as solteironas na mesma página: “se você quer ouvir Votos de eterna devoção até o dia de seu casamento. - E quer ter certeza de que haverá esse dia — não durma com o seu homem até a lua-de-mel”, afinal, prossegue Wright ainda na página 114, passando do cientificismo rasteiro para a pura baixaria, “um homem não vai comprar uma vaca se pode (sic) tirar leite de graça.”

Charles Darwin teria pago caro pela sua santinha, um preço que hoje em dia nenhum homem paga mais. Ele e Ernma mantiveram um casamento estritamente monogâmico. Verdadeira linha de montagem uterina (foram dez filhos). Sem dúvida, foi um tiro certeiro.

A abundância desse tipo de leite nas grandes cidades poderia explicar o declínio do número de casamentos e de filhos nas sociedades modernas. Mas a reprodução, a perpetuação da espécie, dependeria dessa instituição secular de forma que, para Wright, só haveria uma solução: a dura repressão aos transgressores. Mas ele não se refere ao casal.

“Urna vez que tenhamos examinado as desvantagens do casamento monogâmico de vida inteira (ele se refere à monotonia, etc.), especificamente numa sociedade de economia estratificada — em outras palavras, uma vez que tenhamos examinado a natureza humana — é difícil imaginar outra coisa senão a dura repressão como meio de Conservar a união. Mas, prossegue ele, não são necessários exageros. Afinal, “a infidelidade masculina talvez não constitua ameaça ao casamento enquanto não leva (sic) à deserção (refere-se ao divórcio); as mulheres aceitam viver com o companheiro que as traiu com maior facilidade do que os homens. E uma forma de assegurar que a infidelidade masculina não conduza à deserção é restringi-la às ... prostitutas”.

Esse “padrão moral de dois pesos e duas medidas pode não ser justo, mas tem uma espécie de fundamento lógico”, uma vez que um marido traído poderia tratar mal seus filhos, duvidando que fossem realmente seus; mas a mulher traída teria sempre certeza que seus filhos provieram do estoque ilimitado de espermatozóides do animal moral que dorme com ela e, ademais, não teria dúvida que o ovócito fecundado em seu ventre é realmente seu.

Em poucas palavras, a moral burguesa, tal qual retratada por Engels em seu “Origem da família, da propriedade privada e do estado” é, para Wright, o ideal perseguido pela “seleção natural”. A monogamia, segundo Engels, se estabeleceu historicamente na sociedade grega convivendo com a escravidão, havendo pouca diferença entre a esposa e as demais posses do homem, como suas escravas, e “só é monogamia para a mulher e não para o homem. Esse caráter se conserva até hoje”, escreveu ele há mais de cem anos.

Interessante que essa frase (e todo o livro de Engels) tenha sido escrita em pleno período vitoriano, exatamente o escolhido por Wright como indicativo da “natureza humana” na sua “nova ciência”. O que para Engels era o ápice de um processo histórico, reflexo das relações sociais concretas e das contradições de classe que se sucederam na história, é agora transformado por Robert Wright em situação ideal projetada pela natureza, e não pelos homens, através da seleção natural, uma força cega e imparcial. Será isso uma nova ciência?Não, definitivamente não é todo dia que nasce uma nova ciência.
O que temos aqui chama-se ideologia. O ideólogo interpreta o mundo à sua volta projetando nele os valores de sua cultura e, tão satisfeito está com eles, acredita que seja pura coincidência encontrá-los fora da esfera de relações por ele construída.

Com entusiasmo, e por vezes inconscientemente, julga ter alcançado resultado tão legítimo, verdadeiro e abrangente que refaz o caminho de volta e percebe que pode explicar as relações sociais com a lógica que projetou na natureza. Os valores de sua cultura voltam revigorados, uma vez que seriam agora expressão do mundo natural, de Deus ou da seleção natural.

(..)

“Para os sociobiologistas a seleção natural explica absolutamente tudo, dos caracteres físicos até as características psicológicas, sociais e econômicas de indivíduos e sociedades humanas. Portanto, a fala deveria ser resultado direto da seleção natural, onde um tipo de homens falantes teria substituído outro tipo de homens não-falantes.

Ruse focaliza a atenção do leitor na existência da laringe, que teria “evoluído inicialmente nos peixes, para impedir a entrada de água nos pulmões” (esse arroubo evolucionista não é erro de tradução!).

Interessante que essa frase (e todo o livro de Engels) tenha sido escrita em pleno período vitoriano, exatamente o escolhido por Wright como indicativo da “natureza humana” na sua “nova ciência”. O que para Engels era o ápice de um processo histórico, reflexo das relações sociais concretas e das contradições de classe que se sucederam na história, é agora transformado por Robert Wright em situação ideal projetada pela natureza, e não pelos homens, através da seleção natural, uma força cega e imparcial. Será isso uma nova ciência?Não, definitivamente não é todo dia que nasce uma nova ciência.
O que temos aqui chama-se ideologia. O ideólogo interpreta o mundo à sua volta projetando nele os valores de sua cultura e, tão satisfeito está com eles, acredita que seja pura coincidência encontrá-los fora da esfera de relações por ele construída.

Com entusiasmo, e por vezes inconscientemente, julga ter alcançado resultado tão legítimo, verdadeiro e abrangente que refaz o caminho de volta e percebe que pode explicar as relações sociais com a lógica que projetou na natureza. Os valores de sua cultura voltam revigorados, uma vez que seriam agora expressão do mundo natural, de Deus ou da seleção natural.

(..)

“Para os sociobiologistas a seleção natural explica absolutamente tudo, dos caracteres físicos até as características psicológicas, sociais e econômicas de indivíduos e sociedades humanas. Portanto, a fala deveria ser resultado direto da seleção natural, onde um tipo de homens falantes teria substituído outro tipo de homens não-falantes.

Ruse focaliza a atenção do leitor na existência da laringe, que teria “evoluído inicialmente nos peixes, para impedir a entrada de água nos pulmões” (esse arroubo evolucionista não é erro de tradução!).

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