sexta-feira, 10 de julho de 2009

Darwin por ele mesmo: lamarckismo

Membro: IBA MENDES

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Até que ponto os ardorosos devotos de Charles Darwin o conhecem na própria fonte, ou seja, nos seus livros, cartas e diários? Até que ponto aquilo que se conhece dele e que é despejado Internet à fora expressa exatamente ao que se encontra dele em suas próprias obras?

Bem. A partir de hoje, periodicamente, trarei aqui alguns tópicos nos quais postarei apenas textos do próprio Darwin, tais quais constam, ipsis litteris, em suas obras, especificamente em seu livro menos conhecido “A Origem do Homem e a Seleção Sexual”.

Neste tópico, por exemplo, farei menção de textos com os quais Darwin abertamente manifesta seu apreço pelo conceito de uso e na-uso das partes. Como escreveu Nélio Bizzo: “O ‘Origem” nasceu lamarckista e assim permaneceu. Este é um fato que os seguidores de Darwin omitiram deliberadamente.” Vejamos se o Bizzo realmente tem razão:

Os textos aqui usados foram foram extraídos da tradução de Attílio Cancian e Eduardo Nunes Fonseca, publicado pela Editora Hemus, de 1974. Portanto, não estão na Wikipédia e similares.

AH!!!

Aos “engraçadinhos e bem-humarados”, contenham por favor o riso. Lembrem-se de colocá-lo em seu devido contexto histórico. ((rs))

1 – DARWIN – USO E NÃO-USO DAS PARTES

”Os motivos principais que fizeram com que os órgãos se tornassem rudimentares parecem ter sido o não-uso naquele período da vida em que o órgão é sobretudo usado (o que sucede em geral durante a maturidade) bem como a herança num período correspondente da vida. O termo "não-uso" não se refere tão somente a uma reduzida ação dos músculos, mas diz respeito também a um menor afluxo de sangue a uma parte ou a um órgão por estar o mesmo sujeito a menores alterações de pressão e por ser de qualquer modo habitualmente menos ativo. ” (p. 22)

“É para lá de sabido que o uso reforça os músculos do indivíduo e que a completa, ausência de uso ou a destruição do nervo apropriado os enfraquece. Quando a vista está fora de uso, o nervo ótico muitas vezes se atrofia. Quando uma artéria se restringe, os canais laterais crescem não só em diâmetro, como também na espessura e na robustez do seu revestimento. Quando um rim cessa de funcionar devido a uma doença, o outro aumenta de proporções e executa um trabalho dobrado.

Se aguentam um peso maior, os ossos crescem não somente em dimensão, mas também em força. Quando habitualmente exercitadas, diversas ocupações fazem com que várias partes do corpo mudem de proporções. Assim é que uma comissão dos Estados Unidos constatou que as pernas dos marinheiros que foram medidas durante a última guerra eram mais compridas em cerca de 0,217 de polegada daquelas dos soldados, embora os marinheiros em média fossem de estatura mais baixa; enquanto que os seus braços eram 1,09 de polegada rtiais curtos e por conseguinte desproporcionalmente mais curtos em relação à sua menor altura.

O fato desses braços curtos se deve aparentemente atribuir ao seu maior uso e constitui um resultado inesperado; mas acontece que os marinheiros usam os braços sobretudo para remar e não para carregar pesos. Nos marinheiros, a circunferência do pescoço e do tornozelo é maior, ao passo que a circunferência do tórax, da cintura e das ancas é menor do que nos soldados.

Não é certo, porém provável, que muitas das modificações precedentes se teriam tornado hereditárias se algumas modalidades de vida tivessem sido seguidos por muitas gerações. Rengger atribui as pernas magras e os braços robustos dos indígenas paraguaios ao fato de que gerações e mais gerações passaram quase toda a sua existência em canoas, sem movimentar as extremidades inferiores.

Outros escritores chegaram a conclusões semelhantes para casos análogos. Segundo Cranz, que viveu muitos anos com os esquimós, "os nativos crêem que a sagacidade e a destreza dos pescadores são hereditárias (a pesca constitui a sua principal arte e virtude); nisto certamente vai algo de verdadeiro, porquanto o filho de um célebre pescador se distingue, embora tenha perdido o pai em pequeno".

Neste caso a atitude mental parece ser hereditária bem como a estrutura física. Está fora de dúvida que as mãos dos trabalhadores ingleses por ocasião do nascimento são maiores do que aquelas dos nobres. Pela relação que existe, ao menos em alguns casos, entre o desenvolvimento das extremidades e aquele das maxilas é possível que nas classes que não trabalham muito com as mãos e com os pés, as dimensões das maxilas sejam reduzidas por esta razão.

“É certo que as mesmas têm dimensões menores nos homens evoluídos e civilizados do que naqueles que se dedicam a trabalhos pesados ou nos selvagens. Mas entre os selvagens, conforme notou Herbert Spencer, o maior uso das maxilas no mastigar alimentos duros e crus agiria de modo direto sobre os músculos da mastigação e sobre os ossos a que estão unidos. Nas crianças, já muito antes do nascimento, a pele sobre a planta dos pés é mais macia do que em qualquer outra parte do corpo; e é difícil pôr em dúvida que isto seja devido a efeitos hereditários de pressão durante uma longa série de gerações.

Todo mundo sabe que os relojoeiros e os escultores são atacados de miopia, enquanto que os homens que vivem muito ao ar livre e os selvagens em particular via de regra são présbitas. Miopia e presbiopia seguramente têm a tendência de serem hereditárias. A inferioridade em que os europeus se encontram com relação aos selvagens no que diz respeito à vista e aos outros sentidos é sem dúvida efeito acumulado e transmitido de um uso inferior no decurso de muitas gerações; com efeito Rengger narra que reiteradas vezes observou europeus que se haviam mudado e que passaram toda a vida entre os indígenas selvagens, sem contudo igualá-los na agudez dos sentidos.

O mesmo naturalista observa que as cavidades do crânio, para receber os órgãos dos sentidos, são mais amplas nos aborígenes americanos do que nos europeus; isto provavelmente vem indicar uma correspondente diferença na dimensão dos próprios órgãos. Blumenbach deteve-se também na cavidade nasal do crânio dos aborígenes americanos e ligou este fato com a sua notável capacidade de olfato. Os mongóis das planícies da Ásia setentrional, segundo Palias, possuem sentidos verdadeiramente perfeitos e Prichard acredita que a considerável largura do seu crânio à altura dos zígomos deve derivar dos seus órgãos sensoriais altamente desenvolvidos.

Os índios quíchuas habitam os elevados altiplanos do Peru; e Alcides d'Orbigny diz que, respirando continuamente uma atmosfera tão rarefeita, o seu tórax e pulmões assumiram proporções excepcionais. Também as células dos pulmões são maiores e mais numerosas do que nos europeus.

Estas considerações foram postas em dúvida, mas Forbes mediu atentamente muitos aimarás, uma raça afim que vive a uma altura aproximada de 10.000 ou 15.000 pés, e graças a ele sei que os mesmos se diferenciam notavelmente dos homens de todas as outras raças que já tenho visto, por sua circunferência e comprimento do corpo. No seu quadro de medidas a estatura de cada homem é considerada 1000 e as outras medidas têm este termo como ponto de referência.

Por aí se vê que os braços estendidos dos aimarás são mais curtos do que os dos europeus e muito mais ainda do que os dos negros. Também as pernas são mais curtas e revelam esta notável característica: em cada aimará medido o fémur é atualmente mais curto do que a tíbia. Em média, o comprimento do fémur em relação à tíbia é de 211 a 252; ao passo que em dois europeus medidos ao mesmo tempo o fémur em relação à tíbia era de 244 a 230 e em três negros, de 258 a 241. O úmero, com relação ao antebraço, é igualmente mais curto. Este encurtamento da parte dos membros mais vizinhos do corpo me parece, conforme sugere Forbes, um caso de compensação com relação ao notável aumento do comprimento do tronco. Os aimarás apresentam outras singularidades estruturais como por exemplo a saliência muito exígua do calcanhar.

Estes indivíduos estão aclimatados de maneira tão perfeita a sua moradia fria e elevada, que se registrou uma alta porcentagem de mortalidade quando foram atraídos para as planuras baixas orientais pêlos espanhóis e mais recentemente pêlos polpudos pagamentos oferecidos para a lavagem do ouro. Forbes encontrou somente algumas famílias que conseguiram sobreviver durante duas gerações: e teve oportunidade de observar que ainda herdam as suas peculiaridades características.

Mas também sem verificação era claro que estas peculiaridades estavam todas diminuídas, pois que uma vez medidos, os seus corpos se revelaram compridos como aqueles dos habitantes dos altiplanos; ao passo que o fémur numa certa medida se alongara como a tíbia, embora num grau inferior. Se consultarmos os apontamentos de Forbes podemos ver estas medidas atuais. Diante destas observações penso que não se pode duvidar que residir durante muitas gerações a uma grande altura tende, direta ou indiretamente, a causar modificações hereditárias nas proporções do corpo.

Embora nos últimos períodos de sua existência o homem não tenha sofrido demasiadas modificações por força do uso aumentado ou diminuído das partes, os fatos ora citados vieram demonstrar que tal possibilidade, sob este aspecto, não se perdeu; sabemos que a mesma lei vale positivamente para os animais inferiores.Conseqüentemente podemos deduzir que quando numa época pré-histórica os antepassados do homem passaram por uma fase transitória e se mudaram de quadrúpedes para bípedes, provavelmente a seleção natural foi muito facilitada pêlos efeitos hereditários do aumento ou diminuição do uso das várias partes do corpo.

"Há diferença entre sustação do desenvolvimento e sustação do crescimento, porque no primeiro caso as partes continuam crescendo, mas conservam a condição anterior. Neste caso se apresentam várias monstruosidades e algumas, como a abertura do céu da boca, podem ser às vezes hereditárias” (p. 22-49).

Para a nossa finalidade será suficiente ater-nos à sustação do desenvolvimento do cérebro de idiotas microcéfalos, conforme vem descrito nos apontamentos de Vogt. O seu crânio é menor e as pregas do cérebro são menos complexas do que no homem normal. A arcada supraciliar é largamente desenvolvida e as maxilas sobressaem de maneira espantosa, a ponto de dar a impressão que estes idiotas são tipos inferiores do género humano. A sua inteligência e muitas das faculdades mentais são extremamente fracas; não chegam a adquirir a faculdade de falar e são totalmente incapazes de fixar prolongadamente a atenção, embora sejam exímios em imitação. São fortes e notavelmente ativos, andam depressa e a passos miúdos, saltitam e fazem trejeitos e denguices.

Sobem as escadas em quatro pernas e têm um estranho desejo de trepar nos móveis e nas árvores. Faz-nos lembrar o prazer que quase todos os rapazes possuem de trepar nas árvores e também o divertimento que a cabra e os cabritos, animais alpinos por origem, experimentam em saltar nas saliências elevadas do terreno, mesmo que estas sejam muito pequenas. Os idiotas fazem lembrar os animais inferiores também em razão de alguma outra característica: citam-se alguns casos relativos à tendência que possuem de cheirar todo bocado de alimento antes de comê-lo. Dizem que um idiota usa muitas vezes a boca para catar os piolhos, ajudando assim as mãos. São frequentemente relaxados no vestir-se e não possuem senso de decência; e conhecem-se muitos casos de pelosidade dos seus corpos
(p. 640).

Muitos casos que apresentamos aqui pode¬riam ter sido incluídos no último parágrafo. Pode ser enquadrado num caso de reversão aquele em que uma estrutura susta a sua diferenciação, mas continua a aumentar as suas dimensões até assumir as semelhanças de uma estrutura correspondente de um indivíduo adulto porém inferior do mes¬mo grupo. Os indivíduos inferiores do grupo podem dar uma ideia de como era o antepassado comum. É difícil acreditar que uma parte complexa, sustada numa fase primitiva de desenvolvimento embrionário, tenha podido continuar a crescer de maneira a cumprir com a própria função; isto só poderia acontecer se tivesse conquistado este poder durante um estágio anterior da existência, quando a estrutura, atualmente fora do normal ou incompleta, era normal.”

“Num capítulo anterior foi observado que o homem deve ter feito sempre menor uso das maxilas e dos dentes, visto que se colocou gradualmente numa posição ereta e começou a usar continuamente as mãos e os braços para combater com paus e pedras e para outros usos. Por conseguinte, as maxilas e os músculos se reduziram por causa do não-uso e o mesmo aconteceu com os dentes, segundo aqueles princípios de correlação e economia do crescimento ainda pouco conhecidos; sabemos, com efeito, que as partes que não se usam com frequência, pouco a pouco vão se atrofiando. Desta maneira ficou anulada a originária desigualdade das maxilas e dos dentes entre os dois sexos do género humano.

Um caso análogo se observa entre ruminantes machos, cujos dentes caninos foram reduzidos a simples rudimentos ou então desapareceram, evidentemente por causa do desenvolvimento dos chifres. Visto que a prodigiosa diferença entre os crânios dos indivíduos dos dois sexos do orangotango e do gorila está em estreita relação com o desenvolvimento dos dentes caninos enormes nos machos, podemos deduzir que a redução de maxilas e dentes nos primeiros antepassados machos do homem deve ter causado uma mudança notabilíssima e muito favorável no seu aspecto exterior” (p. 647).

Podemos estar certos de que os efeitos hereditários do longo uso ou não-uso das partes agirão na mesma direção da seleção natural. Modificações anteriormente importantes, embora não mais sirvam para usos particulares, são de há muito tempo hereditárias. Quando uma parte é modificada, por força do princípio de correlação, as outras mudam também, do que encontramos exemplos em muitos casos estranhos de anomalias correlatas. Pode-se atribuir alguma importância à ação direta e definitiva das condições circunstantes de vida, como seja a alimentação abundante, o calor ou a umidade; finalmente, muitos caracteres de escassa importância fisiológica, ou também de notável importância, foram alcançados através da seleção sexual” (p. 698).

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Aos que, por puro deslumbramento, dirão que os textos estão fora de contexto, ou que foram usados desonestamente, divirtam-se na própria fonte.


É isso!


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