domingo, 12 de julho de 2009

O delírio de Dawkins

Membro: IBA MENDES
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Acabei de receber um comunicado do lançamento de um interessante livro: "O delírio de Dawkins", Alister McGrath e Joanna Collicutt McGrath .

A seguir transcrevo o prefácio e a introdução do referido livro:



Prefácio à edição brasileira


Nas primeiras páginas de Deus, um delírio, Richard Dawkins declara seu objetivo proselitista. Ele pretende persuadir os leitores religiosos a abandonarem a idéia da existência de Deus em favor de uma cosmovisão mais sensata. Aparentemente, pretende também consolidar e fortalecer a confiança daqueles que já duvidam do sobrenatural, alistando-os para militarem numa campanha mundial contra a religião.

Nessa intencionalidade ideológica reside o que há de novo no discurso ateísta de Dawkins e de outros escritores que — em face do ambiente mundial em que as religiões ganham cada vez mais adeptos — agora partem para a ofensiva. Não é suficiente argumentar que a ciência não descobriu nenhum indício sobre a existência de qualquer realidade que não seja a natural. Agora é necessário afirmar que a ciência é a única ferramenta adequada para observar a realidade e que todo sistema metafísico ou religioso é terminantemente pernicioso e deve ser abolido da sociedade.

Vale a pena combater esse ponto de vista? O jovem escritor cristão Donald Miller diz que "[meu] mais recente esforço de fé não é do tipo intelectual. Eu realmente não faço mais isso. Mais cedo ou mais tarde você simplesmente descobre que há alguns caras que não acreditam em Deus e podem provar que ele não existe e alguns outros caras que acreditam em Deus e podem provar que ele existe — e a esse ponto a discussão já deixou há muito de ser sobre Deus e passou a ser sobre quem é mais inteligente; honestamente, não estou interessado nisso".

Na introdução à presente obra, Alister e Joanna McGrath discordam desse posicionamento passivo. A agressividade anti-religiosa não apenas de Dawkins, mas também de Sam Harris, Daniel Dennett, Christopher Hitchens e demais profetas do ateísmo merece uma resposta à altura, sobretudo daqueles que estão convictos de que a ciência não é tudo nem suficiente.

Alister McGrath, autor de Dawkins' God, que questiona os postulados de Dawkins, é professor de história da teologia na Universidade de Oxford. Sua esposa, Joanna Collicut McGrath, é professora de psicologia da religião na Universidade de Londres. Juntos, decidiram desafiar as conclusões de Dawkins, que consideram levianas, infundadas e irresponsáveis. Em O delírio de Dawkins, concentram-se nos principais argumentos expostos em Deus, um delírio e procuram desconstruir cabalmente as estruturas lógicas e paradigmais que fundamentam as alegações de Richard Dawkins.

Embora a população de ateus no Brasil seja pequena e geralmente restrita às faixas demográficas mais intelectualizadas e bem abastadas, uma das fatias populacionais que mais cresce no país é composta de pessoas que se declaram "sem-religião".2 Para elas, assim também para os religiosos, a existência ou não de Deus não é mera questão intelectual. A maneira como cada pessoa responde a esse debate — e subseqüentemente reestrutura sua cosmovisão — afeta sua individualidade e nossa sociedade. Não há assunto mais importante.

Esperamos que o lançamento de O delírio de Dawkins sirva para alimentar e aprofundar o debate.

Os Editores

INTRODUÇÃO

Desde a publicação da primeira edição de O gene egoísta, em 1976, Richard Dawkins notabilizou-se como um dos mais bem-sucedidos e hábeis divulgadores da ciência. Com seu colega norte-americano, Stephen Jay Gould, conseguiu tornar a biologia evolucionista acessível e interessante para uma nova geração de leitores. Por muito tempo, eu e outros admiradores de suas obras científicas populares invejamos a clareza, o emprego elegante de analogias úteis e o estilo agradável.

Seu mais recente livro, no entanto, marca um importante rompimento. Deus, um delírio fez de Dawkins o polemista ateu mais famoso do mundo, graças à crítica contundente contra toda forma de religião.

"Se este livro funcionar do modo como pretendo, os leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando o terminarem." Apesar de estar determinado a converter o leitor, não acho que ele acredite nessa possibilidade, afinal de contas, ele mesmo adverte que "fiéis radicais são imunes a qualquer argumentação".


Contudo, o fato de Dawkins ter escrito um livro de mais de quinhentas páginas declarando ser Deus um delírio é em si mesmo altamente significativo. Por que um livro desse tipo ainda é necessário? De acordo com o que se previa anos atrás, a religião já deveria estar extinta. Por mais de um século, notáveis sociólogos, antropólogos e psicólogos declararam que seus filhos veriam o despertar de uma nova era, em que esse "delírio" seria deixado para trás definitivamente. Nos anos 1960, diziam que a religião estava desaparecendo, substituída por um mundo secular.

Para alguns de nós, tal previsão era recebida com enorme alegria. Nessa época, eu era ateu e me lembro de esperar o fim da religião com certo prazer. Cresci na Irlanda do Norte e conheci as tensões e violências religiosas em primeira mão. Para minha mente de livre-pensador, a solução era óbvia. Livre-se da religião, e as tensões e violências serão erradicadas. O futuro seria radiante — e ateu.

Duas mudanças ocorreram desde então. Em primeiro lugar, a religião fez uma reviravolta. Ela é um elemento tão significativo no mundo de hoje que parece estranho pensar que, há apenas uma geração, sua morte tenha sido prevista com tanta confiança. O escritor humanista Michael Shermer, talvez mais bem conhecido como diretor da Skeptics Society [Sociedade dos Céticos] e editor da revista Skeptic [Cético], retomou com ímpeto esse ponto em 20003 ao afirmar que nunca a população norte-americana acreditara tanto, e em tão grande proporção, em Deus. Ele não apenas não está "morto" — conforme o filósofo alemão Nietzsche proclamou precipitadamente —, como nunca pareceu estar mais vivo.

Em segundo lugar, e menos importante, minhas atitudes mudaram. Embora na juventude estivesse total e apaixonadamente persuadido da veracidade e da relevância do ateísmo, convenci-me mais tarde de que o cristianismo era uma visão de mundo muito mais interessante e intelectualmente estimulante. Sempre valorizei o livre-pensamento e a possibilidade de rebelião contra as ortodoxias de uma época. No entanto, nunca imaginara aonde meu livre-pensamento me levaria.

Dessa forma, Dawkins e eu caminhamos em direções totalmente diferentes, embora essencialmente pelas mesmas razões. Somos ambos acadêmicos de Oxford que amam as ciências naturais. Acreditamos com entusiasmo no pensamento baseado na evidência e somos críticos dos que sustentam crenças apaixonadas por razões infundadas. Tanto ele quanto eu gostaríamos de acreditar que poderíamos mudar o que pensamos sobre Deus, se as evidências assim o exigissem. Entretanto, com base em nossa experiência e análise do mesmo mundo, chegamos a conclusões radicalmente diferentes sobre Deus. A comparação entre nós é instrutiva, embora suscite algumas questões difíceis para Dawkins.

Dawkins, que é professor de Public Understanding of Science [Compreensão pública da ciência] na Universidade de Oxford, afirma que as ciências naturais, e especialmente a biologia evolucionista, representam uma auto-estrada intelectual para o ateísmo — como o foram para Dawkins, na juventude. No meu caso, comecei como ateu e depois me tornei cristão — precisamente o contrário da jornada intelectual de Dawkins.

A princípio, eu havia planejado dedicar minha vida à pesquisa científica, mas percebi que a descoberta do cristianismo me levava a estudar sua história e suas idéias de modo bastante profundo. Doutorei-me em biofísica molecular enquanto trabalhava nos laboratórios do professor sir George Radda, em Oxford, e ainda atuava ali quando deixei a pesquisa científica para estudar teologia.

Tenho me questionado muitas vezes sobre como Dawkins e eu pudemos chegar a conclusões tão absolutamente diferentes com base na longa e árdua reflexão sobre, em essência, o mesmo mundo. Uma possibilidade é que, por crer em Deus, eu seja demente, crédulo, enganado e enganador, cuja capacidade intelectual foi deturpada pelo vírus-Deus infeccioso, maligno. Ou, então, porque sou demente, crédulo, enganado e enganador, minha capacidade intelectual foi deturpada ao ser tomada pelo vírus-Deus infeccioso, maligno, e por isso creio em Deus. Temo que ambas as possibilidades sejam a essência da resposta que encontro nas páginas de Deus, um delírio.

Embora isso possa constituir uma resposta, não é particularmente convincente. Ela poderia agradar aos ateus reacionários, cuja fé inflexível não lhes permite operar fora dos limites do "não-deus". Espero, porém, ter razão em supor que tais dogmáticos impensantes não sejam típicos do ateísmo. Outra resposta a minha questão poderia ser a repetição da mesma tolice, desta vez aplicando-a a Dawkins. (Embora neste caso, suponho que teríamos de pressupor que sua mente tenha sido tomada por algum tipo de "vírus não-deus".)

Mas não tenho intenção de escrever tal absurdo. Por que insultar Dawkins? E, ainda mais importante, por que insultar a inteligência de meus leitores?

As bases para uma resposta genuína se encontram em algumas sábias palavras de Stephen Jay Gould, cuja triste morte de câncer em 2002 privou a Universidade de Harvard de um de seus professores mais encorajadores e o público de literatura científica de um de seus escritores mais acessíveis. Embora ateu, Gould estava absolutamente seguro de que as ciências naturais — incluindo a teoria da evolução — eram compatíveis tanto com o ateísmo quanto com a fé religiosa ortodoxa.

A menos que metade de seus colegas cientistas fosse completamente tola — uma suposição que Stephen Gould com certeza rejeitaria como absurda a qualquer das metades que fosse aplicada —, não haveria nenhum outro modo responsável de dar sentido às variadas respostas oferecidas à realidade por parte das pessoas inteligentes e informadas que ele conheceu.4

Embora não corresponda à resposta rápida e fácil de que muitos gostariam, pode muito bem estar correta, ou pelo menos apontar na direção certa. Ela nos ajuda a compreender por que certas pessoas defendem crenças fundamentalmente diferentes a respeito desses assuntos, e por que outras, por conseqüência, acreditam que, no fim, tais questões não podem ser respondidas com segurança. Essa resposta também nos lembra da necessidade de tratar os que discordam de nós com total respeito intelectual, em vez de repudiá-los como mentirosos, patifes e charlatães.

Enquanto Gould pelo menos tenta ponderar as evidências, Dawkins apenas oferece o equivalente ateu da pregação astuta do fogo do inferno, substituindo o pensamento cuidadoso, baseado nas evidências, pela retórica turbinada e pela manipulação altamente seletiva dos fatos.

Curiosa e surpreendentemente, verifica-se pouca análise científica em Deus, um delírio. Há muita especulação pseudocientífica associada a críticas culturais mais amplas sobre a religião, a maioria das vezes emprestada de antigos escritores ateus.

Tal qual um evangelista, Dawkins prega a seus devotos do ódio a Deus, os quais se deliciam com o bombardeio retórico e erguem as mãos, prazenteiros. Aqueles que acreditam que a evolução biológica pode ser conciliada com a religião são desonestos! Amém! Eles pertencem à "escola de evolucionistas de Neville Chamberlain"! São conciliadores! Amém! Os verdadeiros cientistas rejeitam a fé em Deus! Aleluia! O Deus em quem os judeus acreditavam nos tempos do Antigo Testamento é um pedófilo psicótico! Amém! Diga a eles, irmão!

Quando li Deus, um delírio, fiquei ao mesmo tempo triste e preocupado. Queria entender como um divulgador tão talentoso das ciências naturais, antes apaixonado pela análise objetiva das evidências, transforma-se em propagandista anti-religioso agressivo, com um claro desprezo pelas evidências não favoráveis a seu caso? Por que as ciências naturais foram tão distorcidas na tentativa de fomentar um fundamentalismo ateu? Não tenho uma explicação adequada.

Como vários de meus amigos ateus, simplesmente não posso entender a surpreendente hostilidade que ele vem demonstrando pela religião. Ela está para Dawkins como o pano vermelho para o touro: não só desencadeia uma resposta agressiva, mas joga fora os padrões acadêmicos básicos de precisão e imparcialidade escrupulosas. Embora o amargo Deus, um delírio tenha sido escrito com paixão e força retórica, a estridência de suas afirmações apenas mascara os argumentos gastos, fracos e reciclados.

Não estou sozinho em meu desapontamento com essa obra. Deus, um delírio alardeia a recente eleição de seu autor como um dos três principais intelectuais do mundo. Essa pesquisa ocorreu entre os leitores da revista Prospect, em novembro de 2005, que antecedeu este livro de Dawkins. E qual foi a crítica da Prospect a Deus, um delírio? Seu resenhista ficou chocado com a obra "indolente, dogmática, vaga e autocontraditória". O título da crítica? "Dawkins, o dogmático".

Resposta a Dawkins

É evidente a necessidade de fornecer algum tipo de resposta a Deus, um delírio, nem que seja apenas para evitar que a ausência de uma possa convencer algumas pessoas de que não há refutação. Nesse caso, como responder? Uma contestação óbvia seria escrever um livro igualmente agressivo, inexato, que ricularizasse o ateísmo, distorcendo suas idéias e apresentando seus charlatães como santos. Seria, no entanto, insensato e contraproducente, para não mencionar intelectualmente desonesto.

Na verdade, é de fato bastante difícil escrever uma resposta a esse livro — não por ser bem argumentado ou reunir muitas evidências esmagadoras em seu favor. O livro é em geral pouco mais que um ajuntamento de factóides convenientemente exagerados para alcançar o impacto máximo e fragilmente organizados para sugerir que constituem um argumento. Dar réplica a tal seleção apelativa de evidências seria por demais tedioso, o que apenas levaria a um livro extremamente obtuso, de configuração impertinente e reativa.

No entanto, embora cada distorção e exagero de Dawkins possam ser objetados e corrigidos, um livro que só oferecesse tal ladainha de correções seria catatonicamente enfadonho. Assim, supondo que Dawkins apresenta igual convicção em todas as partes de seu livro, só o refutarei nos pontos representativos. Com isso, deixo aos leitores a prerrogativa de tirar as próprias conclusões sobre a confiabilidade do todo das evidências e dos juízos desse autor.

De qualquer maneira, Dawkins deixa claro seu pouco interesse em ser simpático com os que crêem na religião; estes ficarão simplesmente chocados com o desvirtuamento da crença e do estilo de vida que abraçam. Seria o ateísmo realmente tão frágil a ponto de precisar ser amparado por semelhante tipo de contra-senso grosseiro? Dawkins faz aos seus leitores um elogio altamente duvidoso ao supor que eles compartilharão de seus preconceitos e de sua ignorância sobre religião.

Objeções a sua argumentação provavelmente serão rebatidas e desaprovadas por antecipação, precisamente porque se riam feitas por religiosos tendenciosos, tolos e arrogantes o suficiente para criticar os ateus "objetivos" e "racionais".

Essa questão é muito séria e problemática. A total convicção dogmática que permeia algumas partes do ateísmo ocidental de hoje — notavelmente ilustrada em Deus, um delírio — se alinha de imediato a um fundamentalismo religioso cujas idéias não se podem examinar ou contestar. Dawkins resiste a ajustes em suas convicções, que ele considera luminosamente verdadeiras e, portanto, isentas de qualquer defesa. Está tão convencido da correção de suas concepções que não se permite acreditar que as evidências possam legitimar quaisquer outras opções — sobretudo opções religiosas.

É em especial preocupante que Dawkins, aparentemente incônscio, manipule as evidências para apenas acomodar sua estrutura teórica preconcebida. Com persistência e constância, a religião é retratada do pior modo possível, imitando as péssimas características do retrato do ateísmo feito pelo fundamentalismo religioso. Quando alguns renomados cientistas escrevem em defesa da religião, a réplica mordaz de Dawkins consiste em afirmar que eles simplesmente não podem querer dizer o que dizem. Dawkins com certeza se sente bastante ameaçado pela possibilidade de seus leitores encontrarem idéias ou pessoas religiosas de que pudessem gostar de fato — ou, ainda pior, que pudessem respeitar e considerar merecedoras de séria atenção.

Tudo isso parece tornar inútil a escrita de réplicas como esta. Exceto pelo fato de que, no passado, eu também fui ateu, e fui despertado de meu sono dogmático pela leitura de livros que contestaram minha visão de mundo que se petrificava. Suponho que este livro será lido principalmente por cristãos desejosos de saber que dizer a seus amigos que leram Deus, um delírio, os quais estarão se questionando se os cristãos são de fato tão pervertidos, degenerados e irracionais como o livro os descreve. Minha esperança, no entanto, é que entre meus leitores possam existir ateus, cuja mente ainda não esteja fechada no tipo de reflexão dawkinsiana automática. São muitos os iludidos a respeito de Deus; e eu era um deles.



Mais informações:
http://www.mundocristao.com.br/odelirio/

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