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” Pois afinal, não evoluímos DO macaco, SOMOS macacos.”
Esta frase escrita por um ultradarwinista em outro tópico, chamou-me a atenção para dois eventos passados que culminaram em violência, injustiça e castração da dignidade humana: a recapitulação e a antropologia criminal.
A idéia de que existe um macaco em cada um de nós, cuja base encontra-se nos escritos de Darwin, serviu durante muito tempo de pretexto para o imperialismo e para inúmeras medidas eugênicas drásticas.
E, para discorrer sobre o assunto, ninguém melhor do que um próprio darwinista, um grande opositor das teorias racistas, e o qual não teve receio de botar para fora as nódoas e máculas advindas de adeptos da teoria evolucionista: Stephen Jay Gould.
Os textos a seguir foram extraídos diretamente de seu livro ”A Falsa Medida do Homem”, do capítulo intitulado:
Dois estudos sobre o caráter simiesco dos indesejáveis
O conceito de evolução transformou o pensamento humano durante o decorrer do século XIX. Quase todas as questões referentes as ciências da vida foram reformuladas à luz desse conceito. Até então, nenhuma ideia havia sido objeto de um uso, ou de um abuso, tão generalizado (por exemplo, o "darwinismo social", ou seja, o aso da teoria evolucionista para apresentar a pobreza como algo inevitável). Tanto os criacionistas (Agassiz e Morton) quanto os evoucionistas (Broca e Galton) puderam explorar os dados a respeito do tamanho do cérebro para estabelecer distinções falsas e ofensivas entre os grupos humanos. Mas outros argumentos quantitativos surgiram como apêndices da teoria evolucionista.
Neste capítulo, discuto dois deles, que considero manifestações representativas de um tipo muito frequente; apesar das diferenças marcantes, não deixam de exibir uma semelhança digna de interesse. O primeiro deles é a mais genérica de todas as justificações evolutivas do ordenamento hierárquico dos grupos humanos: o argumento da recapitulação, frequentemente resumido pelo enganoso trava-língua "a ontogenia recapitula a filogenia''.
A segunda é uma hipótese evolucionista específica a respeito do caráter biológico da conduta criminosa: a antropologia criminal de Lombroso. As duas teorias apoiavam-se no mesmo método quantitativo e supostamente evolucionista, que consistia em buscar sinais de morfologia simiesca entre os membros dos grupos considerados indesejáveis.
O macaco em todos nós: a recapitulação
Uma vez demonstrada a evolução, os naturalistas do século XIX devotaram-se a estabelecer os verdadeiros caminhos que ela seguira. Em outras palavras, procuraram reconstruir a árvore da vida. Os fósseis deveriam fornecer os indícios necessários, pois eram os únicos registros dos antecessores das formas modernas. Mas o registro fóssil é extremamente imperfeito, e todos os troncos e ramos importantes da árvore da vida desenvolveram-se antes que o surgimento das partes duras dos organismos permitisse a existência de qualquer tipo de vestígio fóssil.
Assim, alguns critérios indiretos tinham de ser descobertos. Ernst Haeckel, o grande zoólogo alemão, reatualizou uma velha teoria biológica criacionista e sugeriu que o desenvolvimento embriológico das formas superiores poderia servir como guia para se deduzir de forma indireta a evolução da árvore da vida.
A segunda é uma hipótese evolucionista específica a respeito do caráter biológico da conduta criminosa: a antropologia criminal de Lombroso. As duas teorias apoiavam-se no mesmo método quantitativo e supostamente evolucionista, que consistia em buscar sinais de morfologia simiesca entre os membros dos grupos considerados indesejáveis.
O macaco em todos nós: a recapitulação
Uma vez demonstrada a evolução, os naturalistas do século XIX devotaram-se a estabelecer os verdadeiros caminhos que ela seguira. Em outras palavras, procuraram reconstruir a árvore da vida. Os fósseis deveriam fornecer os indícios necessários, pois eram os únicos registros dos antecessores das formas modernas. Mas o registro fóssil é extremamente imperfeito, e todos os troncos e ramos importantes da árvore da vida desenvolveram-se antes que o surgimento das partes duras dos organismos permitisse a existência de qualquer tipo de vestígio fóssil.
Assim, alguns critérios indiretos tinham de ser descobertos. Ernst Haeckel, o grande zoólogo alemão, reatualizou uma velha teoria biológica criacionista e sugeriu que o desenvolvimento embriológico das formas superiores poderia servir como guia para se deduzir de forma indireta a evolução da árvore da vida.
Ele proclamou que "a ontogenia recapitula a filogenia" ou, para melhor explicar esse melífluó trava-língua, que, durante seu crescimento, todo indivíduo passa por uma série de estágios que correspondem sequencialmente às diferentes formas adultas de seus antepassados; em resumo: cada indivíduo escala a sua própria árvore da vida.
A recapitulação está entre as ideias mais influentes da ciência do final do século XIX. Dominou diferentes campos científicos, tais como a embriologia, a morfologia comparada e a paleontologia. Todas essas disciplinas estavam obcecadas pela ideia de reconstruir as linhagens evolutivas, e todos consideravam o conceito de recapitulação como sendo a chave da questão.
As fendas branquiais que podem ser vistas no embrião humano no começo de seu desenvolvimento representavam o estágio adulto de um peixe ancestral; num estágio posterior, a aparição de uma cauda revelava a existência de um antepassado réptil ou mamífero.
A partir da biologia, o conceito de recapitulação expandiu-se para várias outras disciplinas, sobre as quais exerceu uma influência decisiva. Tanto Sigmund Freud quanto C.G. Jung eram firmes partidários da recapitulação, e a ideia de Haeckel desempenhou um papel bastante importante no desenvolvimento da teoria psicanalítica.
(Em Totem e tabu, por exemplo, Freud tenta reconstruir a história humana partindo de uma pista fundamental: o complexo de Édipo. Freud conclui que o impulso parricida deve refletir um evento real ocorrido entre ancestrais adultos.)
Assim, os filhos de um clã ancestral devem ter matado o pai para conseguir acesso às mulheres. Os currículos de muitas escolas primárias do final do século XIX foram reelaborados à luz da recapitulação. Vários conselhos escolares prescreviam a leitura de Song of Hiawatha para as primeiras séries, argumentando que as crianças, uma vez que estavam passando pelo estágio selvagem correspondente ao que haviam atravessado seus ancestrais, iriam se identificar com o poema'.
A recapitulação está entre as ideias mais influentes da ciência do final do século XIX. Dominou diferentes campos científicos, tais como a embriologia, a morfologia comparada e a paleontologia. Todas essas disciplinas estavam obcecadas pela ideia de reconstruir as linhagens evolutivas, e todos consideravam o conceito de recapitulação como sendo a chave da questão.
As fendas branquiais que podem ser vistas no embrião humano no começo de seu desenvolvimento representavam o estágio adulto de um peixe ancestral; num estágio posterior, a aparição de uma cauda revelava a existência de um antepassado réptil ou mamífero.
A partir da biologia, o conceito de recapitulação expandiu-se para várias outras disciplinas, sobre as quais exerceu uma influência decisiva. Tanto Sigmund Freud quanto C.G. Jung eram firmes partidários da recapitulação, e a ideia de Haeckel desempenhou um papel bastante importante no desenvolvimento da teoria psicanalítica.
(Em Totem e tabu, por exemplo, Freud tenta reconstruir a história humana partindo de uma pista fundamental: o complexo de Édipo. Freud conclui que o impulso parricida deve refletir um evento real ocorrido entre ancestrais adultos.)
Assim, os filhos de um clã ancestral devem ter matado o pai para conseguir acesso às mulheres. Os currículos de muitas escolas primárias do final do século XIX foram reelaborados à luz da recapitulação. Vários conselhos escolares prescreviam a leitura de Song of Hiawatha para as primeiras séries, argumentando que as crianças, uma vez que estavam passando pelo estágio selvagem correspondente ao que haviam atravessado seus ancestrais, iriam se identificar com o poema'.
A recapitulação também proporcionou um critério irresistível a todos os cientistas interessados em estabelecer diferenças hierárquicas entre os grupos humanos. Assim, os adultos dos grupos inferiores devem ser como as crianças dos grupos superiores, pois a criança representa um ancestral adulto primitivo.
Uma vez que são como os meninos brancos, os negros adultos e as mulheres são também os representantes vivos de um estágio primitivo da evolução dos homens brancos. Uma teoria anatómica para a hierarquização das raças — baseada em todo o corpo e não apenas na cabeça — havia nascido.
A recapitulação serviu como teoria geral do determinismo biológico. Todos os grupos "inferiores" — raças, sexos e classes — foram comparados às crianças brancas de sexo masculino. E. D. Cope, o célebre paleontólogo americano que elucidou o mecanismo da recapitulação (ver Gould, 1977, pp. 85-91), identificou quatro grupos de formas humanas inferiores segundo esse critério: raças não brancas, todas as mulheres, os brancos do sul da Europa (em oposição aos do norte) e as classes inferiores dentro das raças superiores (1887, pp. 291-293); Cope depreciava particularmente "as classes mais baixas dos irlandeses".
Pregou a doutrina da superioridade nórdica e fez propaganda contra a entrada de imigrantes judeus e da Europa meridional nos Estados Unidos. Para explicar a inferioridade dos europeus do sul segundo a recapitulação, ele disse que os climas mais quentes provocam o amadurecimento precoce, e, como o amadurecimento determina o desaceleramento e o término do desenvolvimento físico, os europeus do sul só conseguem alcançar um tipo mais infantil, e, portanto, mais primitivo, de estágio adulto.
Uma vez que são como os meninos brancos, os negros adultos e as mulheres são também os representantes vivos de um estágio primitivo da evolução dos homens brancos. Uma teoria anatómica para a hierarquização das raças — baseada em todo o corpo e não apenas na cabeça — havia nascido.
A recapitulação serviu como teoria geral do determinismo biológico. Todos os grupos "inferiores" — raças, sexos e classes — foram comparados às crianças brancas de sexo masculino. E. D. Cope, o célebre paleontólogo americano que elucidou o mecanismo da recapitulação (ver Gould, 1977, pp. 85-91), identificou quatro grupos de formas humanas inferiores segundo esse critério: raças não brancas, todas as mulheres, os brancos do sul da Europa (em oposição aos do norte) e as classes inferiores dentro das raças superiores (1887, pp. 291-293); Cope depreciava particularmente "as classes mais baixas dos irlandeses".
Pregou a doutrina da superioridade nórdica e fez propaganda contra a entrada de imigrantes judeus e da Europa meridional nos Estados Unidos. Para explicar a inferioridade dos europeus do sul segundo a recapitulação, ele disse que os climas mais quentes provocam o amadurecimento precoce, e, como o amadurecimento determina o desaceleramento e o término do desenvolvimento físico, os europeus do sul só conseguem alcançar um tipo mais infantil, e, portanto, mais primitivo, de estágio adulto.
Os grupos mais evoluídos do norte, por outro lado, alcançariam estágios superiores pois o amadurecimento mais tardio permitiria que se desenvolvessem durante um período mais longo:
Não há dúvidas de que, nas raças indo-européias, a maturidade de certos aspectos é mais precoce nas regiões tropicais que nas nórdicas; e, embora sujeito a muitas exceções, esse fenómeno é suficientemente genérico para ser considerado como regra. Assim, nessa raça — pelo menos nas regiões mais quentes da Europa e da América — encontramos uma incidência maior de certas qualidades que são mais frequentes entre as mulheres, como, por exemplo, a maior atividade da natureza emotiva em comparação com a atividade racional... É provável que os indivíduos do tipo mais nórdico tenham superado tudo isso já em sua juventude (1887, pp. 162-163).
A recapitulação forneceu uma base para argumentos anltopométricos — particularmente craniométricos — destinados a justificar a classificação hierárquica das raças. Também neste caso, o cérebro desempenhou um papel dominante.
Louis Agassiz, dentro de um contexto criacionista, já havia comparado o cérebro dos negros adultos com o de um feto branco de sete meses de vida. Já citamos (ver pp. 97-98) que Vogt estabeleceu uma notável equivalência entre os cérebros dos negros adultos, das mulheres brancas e dos meninos brancos, explicando assim por que os negros nunca haviam construído uma civilização digna de nota.
Também Cope concentrou-se no crânio, particularmente "naqueles importantes elementos estéticos que são um nariz bem feijo e uma barba abundante" (1887, pp. 288-290), embora não deixasse de desprezar também a panturilha pouco musculosa exibida pêlos negros:
Não há dúvidas de que, nas raças indo-européias, a maturidade de certos aspectos é mais precoce nas regiões tropicais que nas nórdicas; e, embora sujeito a muitas exceções, esse fenómeno é suficientemente genérico para ser considerado como regra. Assim, nessa raça — pelo menos nas regiões mais quentes da Europa e da América — encontramos uma incidência maior de certas qualidades que são mais frequentes entre as mulheres, como, por exemplo, a maior atividade da natureza emotiva em comparação com a atividade racional... É provável que os indivíduos do tipo mais nórdico tenham superado tudo isso já em sua juventude (1887, pp. 162-163).
A recapitulação forneceu uma base para argumentos anltopométricos — particularmente craniométricos — destinados a justificar a classificação hierárquica das raças. Também neste caso, o cérebro desempenhou um papel dominante.
Louis Agassiz, dentro de um contexto criacionista, já havia comparado o cérebro dos negros adultos com o de um feto branco de sete meses de vida. Já citamos (ver pp. 97-98) que Vogt estabeleceu uma notável equivalência entre os cérebros dos negros adultos, das mulheres brancas e dos meninos brancos, explicando assim por que os negros nunca haviam construído uma civilização digna de nota.
Também Cope concentrou-se no crânio, particularmente "naqueles importantes elementos estéticos que são um nariz bem feijo e uma barba abundante" (1887, pp. 288-290), embora não deixasse de desprezar também a panturilha pouco musculosa exibida pêlos negros:
Duas das mais notáveis características do negro coincidem com as que se observam nos estágios imaturos dos tipos característicos da raça indo-européia. O pouco desenvolvimento das panturrilhas é uma característica das primeiras etapas da vida da criança; mas, o que é mais importante, o arco achatado do nariz e as cartilagens nasais curtas, nos indo-europeus, constituem sinais universais de imaturidade... Em algumas raças — na eslava, por exemplo — essa característica perdura mais que em outras. Por sua vez, o nariz grego, com seu arco elevado, não apenas coincide com a beleza estética como também com a perfeição do desenvolvimento.
Em 1890, o antropólogo americano D. G. Brinton resumiu o argumento com um hino de louvor à medição:
O adulto que conserva traços fetais, infantis ou simiescos mais numerosos é inquestionavelmente inferior ao indivíduo que conseguiu desenvolver esses traços... De acordo com esses critérios, a raça branca, ou europeia, situa-se no topo da lista, enquanto que a negra, ou africana, ocupa sua posição mais inferior... Todas as partes do corpo foram minuciosamente examinadas, medidas e pesadas de forma a se estabelecer uma ciência da anatomia comparada das diferentes raças(1890, p. 48).
Em 1890, o antropólogo americano D. G. Brinton resumiu o argumento com um hino de louvor à medição:
O adulto que conserva traços fetais, infantis ou simiescos mais numerosos é inquestionavelmente inferior ao indivíduo que conseguiu desenvolver esses traços... De acordo com esses critérios, a raça branca, ou europeia, situa-se no topo da lista, enquanto que a negra, ou africana, ocupa sua posição mais inferior... Todas as partes do corpo foram minuciosamente examinadas, medidas e pesadas de forma a se estabelecer uma ciência da anatomia comparada das diferentes raças(1890, p. 48).
Se a anatomia elaborou o vigoroso argumento da recapitulação, o desenvolvimento psíquico, por seu lado, ofereceu um rico campo para sua corroboração. Não era do conhecimento de todos que os selvagens e as mulheres são emocionalmente similares às crianças?
Não era a primeira vez que grupos depreciados eram comparados às crianças, mas a teoria da recapitulação revestiu esse conto com o manto da respeitabilidade social próprio de uma teoria científica. A frase "São como as crianças" deixou de ser uma simples metáfora da intolerância para se converter em uma proposição teórica segundo a qual as pessoas inferiores haviam permanecido literalmente estagiadas em um estágio ancestral dos grupos superiores.
G. Stanley Hall, na época o principal psicólogo americano, formulou o seguinte argumento geral em 1904: "Em vários aspectos, a maioria dos selvagens são crianças, ou melhor dizendo, dada a sua maturidade sexual adolescentes de tamanho adulto" (1904, vol. 2, p. 649). A. F.
Chamberlain, seu principal discípulo, optou pelo tom paternalista: "Sem os povos primitivos, o mundo em geral seria tão pequeno quanto sem a bênção que é a existência das crianças." Os partidários da recapitulação aplicaram seu argumento a uma assombrosa variedade de capacidades humanas.
Cope comparou a arte pré-histórica com os desenhos das crianças e dos povos "primitivos" sobreviventes (1887, p. 153): "Parece-nos que os esforços das raças primitivas por nós conhecidas são em tudo semelhantes aos que realiza a mão inexperiente da criança que desenha em seu quadro-negro, ou aos dos selvagens quando pintam nas paredes rochosas." James Sully, importante psicólogo inglês, comparou a sensibilidade estética das crianças e dos selvagens, mas reservou uma posição superior às primeiras (1895, p. 386).
Não era a primeira vez que grupos depreciados eram comparados às crianças, mas a teoria da recapitulação revestiu esse conto com o manto da respeitabilidade social próprio de uma teoria científica. A frase "São como as crianças" deixou de ser uma simples metáfora da intolerância para se converter em uma proposição teórica segundo a qual as pessoas inferiores haviam permanecido literalmente estagiadas em um estágio ancestral dos grupos superiores.
G. Stanley Hall, na época o principal psicólogo americano, formulou o seguinte argumento geral em 1904: "Em vários aspectos, a maioria dos selvagens são crianças, ou melhor dizendo, dada a sua maturidade sexual adolescentes de tamanho adulto" (1904, vol. 2, p. 649). A. F.
Chamberlain, seu principal discípulo, optou pelo tom paternalista: "Sem os povos primitivos, o mundo em geral seria tão pequeno quanto sem a bênção que é a existência das crianças." Os partidários da recapitulação aplicaram seu argumento a uma assombrosa variedade de capacidades humanas.
Cope comparou a arte pré-histórica com os desenhos das crianças e dos povos "primitivos" sobreviventes (1887, p. 153): "Parece-nos que os esforços das raças primitivas por nós conhecidas são em tudo semelhantes aos que realiza a mão inexperiente da criança que desenha em seu quadro-negro, ou aos dos selvagens quando pintam nas paredes rochosas." James Sully, importante psicólogo inglês, comparou a sensibilidade estética das crianças e dos selvagens, mas reservou uma posição superior às primeiras (1895, p. 386).
Grande parte das primeiras manifestações rudimentares do sentido estético da criança apresenta pontos em comum com as primeiras mani¬festações do gosto artístico da raça humana. A predileção pelas cores brilhantes, resplandecentes, pelas coisas alegres, pêlos fortes contrastes de cor, bem como por certos tipos de movimento, como o das plumas — que constituem o adorno pessoal favorito —, constitui uma característica bem conhecida do selvagem, e confere, do ponto de vista do homem civilizado, um tom de infantilidade. Por outro lado, é improvável que o selvagem chegue a atingir a sensibilidade demonstrada pela criança diante da beleza das flores.
Herbert Spencer, o apóstolo do darwinismo social, resumiu muito bem essa ideia (1895, pp. 89-90): "Os traços intelectuais do selvagem.. . são traços que podem ser observados comumente nas crianças dos povos civilizados."
Como a recapitulação se tornou uma ideia fundamental para a teoria geral do determinismo biológico, muitos cientistas do sexo masculino aplicaram esse argumento às mulheres. E. D. Cope afirmou que as "características metafísicas" das mulheres eram:
... essencialmente muito similares às que são observadas nos homens durante o estágio inicial de seu desenvolvimento... O belo sexo caracteriza-se por uma maior impressionabilidade; ... é mais emotivo e sua ação sobre o mundo externo é caracterizada pela inconstância; coiim regra geral, estas características são observadas no sexo masculino durante certo período da vida, embora nem todos os indivíduos consigam superá-la no mesmo momento...
É provável que a maior parte der. homenj relembre algum período de sua vida em que predominava a natureza emocional, uma época em que a emoção, ante o quadro do sofrimento, brotava com muito mais facilidade que nos anos mais maduros...
Herbert Spencer, o apóstolo do darwinismo social, resumiu muito bem essa ideia (1895, pp. 89-90): "Os traços intelectuais do selvagem.. . são traços que podem ser observados comumente nas crianças dos povos civilizados."
Como a recapitulação se tornou uma ideia fundamental para a teoria geral do determinismo biológico, muitos cientistas do sexo masculino aplicaram esse argumento às mulheres. E. D. Cope afirmou que as "características metafísicas" das mulheres eram:
... essencialmente muito similares às que são observadas nos homens durante o estágio inicial de seu desenvolvimento... O belo sexo caracteriza-se por uma maior impressionabilidade; ... é mais emotivo e sua ação sobre o mundo externo é caracterizada pela inconstância; coiim regra geral, estas características são observadas no sexo masculino durante certo período da vida, embora nem todos os indivíduos consigam superá-la no mesmo momento...
É provável que a maior parte der. homenj relembre algum período de sua vida em que predominava a natureza emocional, uma época em que a emoção, ante o quadro do sofrimento, brotava com muito mais facilidade que nos anos mais maduros...
Talvez todos os homens possam relembrar um período juvenil em que adoravam algum herói, em que sentiam a necessidade de uui braço mais forte, e gostavam de ter como modelo o amigo poderoso, capaz de se compadecer e de acorrer em sua ajuda. Essas são as caracte¬rísticas do "estágio feminino" da personalidade (1887, p. 159).
A tese que podemos considerar como a mais absurda dos anais do determinismo biológico foi formulada por G. Stanley Hall — que, repito, não era nenhum louco, mas o mais importante psicólogo dos Estados Unidos — quando[afirmou que a maior frequência de suicídios entre as mulheres demonstrava que estas se situavam em umestágio evolutivo inferior ao dos homens (1904, vol. 2, p 194):
Isto expressa a existência de uma profunda diferença psíquica entre os sexos. O corpo e a alma da mulher são, em termos filogenéticos, mais antigos e mais primitivos; por outro lado, o homem é mais moderno, mais variável e menos conservador. As mulheres sempre tendem a conservar os velhos costumes e as velhas maneiras de pensar. As mulheres preferem os métodos passivos; [preferem] entregar-se ao poder das forças elementares, como a gravidade, quando se lançam das alturas ou ingerem veneno, métodos de suicídio em que superam o homem. Havelock Ellis acha que o afogamento está se tornando mais frequente, o que indica que as mulheres estão se tornando mais femininas.
Como justificação para o imperialismo, a recapitulação era por demais promissora para ficar confinada às formulações académicas. Já mencionei a opinião desfavorável que tinha Cari Vogt a respeito dos negros africanos; essa opinião baseava-se na comparação do cérebro dos negros com o das crianças brancas.
A tese que podemos considerar como a mais absurda dos anais do determinismo biológico foi formulada por G. Stanley Hall — que, repito, não era nenhum louco, mas o mais importante psicólogo dos Estados Unidos — quando[afirmou que a maior frequência de suicídios entre as mulheres demonstrava que estas se situavam em umestágio evolutivo inferior ao dos homens (1904, vol. 2, p 194):
Isto expressa a existência de uma profunda diferença psíquica entre os sexos. O corpo e a alma da mulher são, em termos filogenéticos, mais antigos e mais primitivos; por outro lado, o homem é mais moderno, mais variável e menos conservador. As mulheres sempre tendem a conservar os velhos costumes e as velhas maneiras de pensar. As mulheres preferem os métodos passivos; [preferem] entregar-se ao poder das forças elementares, como a gravidade, quando se lançam das alturas ou ingerem veneno, métodos de suicídio em que superam o homem. Havelock Ellis acha que o afogamento está se tornando mais frequente, o que indica que as mulheres estão se tornando mais femininas.
Como justificação para o imperialismo, a recapitulação era por demais promissora para ficar confinada às formulações académicas. Já mencionei a opinião desfavorável que tinha Cari Vogt a respeito dos negros africanos; essa opinião baseava-se na comparação do cérebro dos negros com o das crianças brancas.
B. Kidd ampliou o argumento para justificar a expansão colonial na África tropical (1898, p. 51). Estamos, escreveu ele, "lidando com povos que representam na história do desenvolvimento da raça o mesmo estágio que a criança na história do desenvolvimento do indivíduo. Portanto, os trópicos não se desenvolverão por obra dos próprios nativos".
Durante o debate a respeito do direito de anexarmos as Filipinas, o Rev. Josiah Strong, importante imperialista americano, declarou devotadamente que "nossa política não deve ser determinada pela ambição nacional nem por considerações comerciais, mas por nosso dever para com o mundo em geral e os filipinos em particular" (1900, p. 287).
[...]
Durante o debate a respeito do direito de anexarmos as Filipinas, o Rev. Josiah Strong, importante imperialista americano, declarou devotadamente que "nossa política não deve ser determinada pela ambição nacional nem por considerações comerciais, mas por nosso dever para com o mundo em geral e os filipinos em particular" (1900, p. 287).
[...]
Vejamos agora as consequências da neotenia para a classificação hierárquica dos grupos humanos. Do ponto de vista da recapitulação, os adultos das raças inferiores são como as crianças das raças superiores. Mas a neotenia inverte o argumento — "bom" — ou seja, desenvolvido ou superior — é conservar os traços da infância, desenvolver-se mais lentamente.
Assim, os grupos superiores conservam até o estágio adulto suas características infantis, enquanto os inferiores chegam à fase superior da infância e logo degeneram e adquirem características simiescas. Lembremos que os cientistas brancos convencionaram que os brancos são superiores e os negros inferiores.
Assim, enquanto do ponto de vista da recapitulação, os negros adultos seriam como as crianças brancas, segundo a neotenia os brancos adultos seriam como crianças negras.
Durante setenta anos, sob a influência da recapitulação, os cientistas haviam recolhido uma impressionante quantidade de dados que proclamavam de forma unânime a mesma mensagem: os negros adultos, as mulheres e os brancos das classes inferiores são como as crianças brancas do sexo masculino das classes superiores. Ao se impor a tese da neotenia, essa sólida base empírica só podia significar uma coisa: que os homens de classe alta eram inferiores porque perdiam os traços superiores da infância, enquanto outros grupos os conservavam. Não havia escapatória possível.
Pelo menos um cientista, Havelock Ellis, aceitou essa consequência evidente, e reconheceu a superioridade das mulheres, embora tenha se esquivado de reconhecer o mesmo em relação aos negros.
Assim, os grupos superiores conservam até o estágio adulto suas características infantis, enquanto os inferiores chegam à fase superior da infância e logo degeneram e adquirem características simiescas. Lembremos que os cientistas brancos convencionaram que os brancos são superiores e os negros inferiores.
Assim, enquanto do ponto de vista da recapitulação, os negros adultos seriam como as crianças brancas, segundo a neotenia os brancos adultos seriam como crianças negras.
Durante setenta anos, sob a influência da recapitulação, os cientistas haviam recolhido uma impressionante quantidade de dados que proclamavam de forma unânime a mesma mensagem: os negros adultos, as mulheres e os brancos das classes inferiores são como as crianças brancas do sexo masculino das classes superiores. Ao se impor a tese da neotenia, essa sólida base empírica só podia significar uma coisa: que os homens de classe alta eram inferiores porque perdiam os traços superiores da infância, enquanto outros grupos os conservavam. Não havia escapatória possível.
Pelo menos um cientista, Havelock Ellis, aceitou essa consequência evidente, e reconheceu a superioridade das mulheres, embora tenha se esquivado de reconhecer o mesmo em relação aos negros.
Chegou a comparar os homens do campo com os da cidade, e desco¬briu que a anatomia destes últimos tendia a se assemelhar à das mulheres; assim, proclamou a superioridade da vida urbana (1894, p. 519): "O homem de cabeça grande, de rosto delicado e ossos pequenos, que encontramos na civilização urbana, aproxima-se mais que o selvagem da mulher típica. Não só pela cabeça grande, mas também pelo maior tamanho da pelve, o homem moderno segue o caminho evolutivo percorrido inicialmente pela mulher."
Mas Ellis era um iconoclasta e um polemista (escreveu um dos primeiros estudos sistemáticos sobre a sexualidade), de modo que a sua aplicação da neotenia ao tema das diferenças sexuais nunca teve maiores ressonâncias. Entretanto, com respeito à questão das diferenças raciais, os partidários da neotenia adotaram uma tática diferente, mais comum: simplesmente deixaram de lado os dados acumulados durante setenta anos e procuraram outro tipo de informação que confirmasse a inferioridade dos negros.
Louis Bolk, principal defensor da neotenia humana, declarou que as raças mais neotênicas eram superiores. Ao conservarem traços mais juvenis, estas últimas haviam-se mantido mais distanciadas do "antepassado pitecóide do homem" (1929, p. 26). "Deste ponto de vista, a divisão da humanidade em raças superiores e inferiores fica plenamente justificada [1929, p. 26].
É óbvio que, tomando por base minha teoria, não tenho qualquer dúvida quanto à desigualdade das raças" (1926, p. 38). Bolk revirou sua caixa de surpresas anatómicas e encontrou alguns traços que indicavam, nos negros adultos, um afastamento significativo das vantajosas proporções observáveis na infância. Esses novos dados permitiram-lhe chegar a uma velha e cómoda conclusão: "A raça branca é a mais avançada por ser a mais retardada" (1929, p. 25).
Mas Ellis era um iconoclasta e um polemista (escreveu um dos primeiros estudos sistemáticos sobre a sexualidade), de modo que a sua aplicação da neotenia ao tema das diferenças sexuais nunca teve maiores ressonâncias. Entretanto, com respeito à questão das diferenças raciais, os partidários da neotenia adotaram uma tática diferente, mais comum: simplesmente deixaram de lado os dados acumulados durante setenta anos e procuraram outro tipo de informação que confirmasse a inferioridade dos negros.
Louis Bolk, principal defensor da neotenia humana, declarou que as raças mais neotênicas eram superiores. Ao conservarem traços mais juvenis, estas últimas haviam-se mantido mais distanciadas do "antepassado pitecóide do homem" (1929, p. 26). "Deste ponto de vista, a divisão da humanidade em raças superiores e inferiores fica plenamente justificada [1929, p. 26].
É óbvio que, tomando por base minha teoria, não tenho qualquer dúvida quanto à desigualdade das raças" (1926, p. 38). Bolk revirou sua caixa de surpresas anatómicas e encontrou alguns traços que indicavam, nos negros adultos, um afastamento significativo das vantajosas proporções observáveis na infância. Esses novos dados permitiram-lhe chegar a uma velha e cómoda conclusão: "A raça branca é a mais avançada por ser a mais retardada" (1929, p. 25).
Contudo, os velhos argumentos nunca morrem. Em 1971, o psicólogo e determinista genético britânico H. J. Eysenck expôs um novo argumento neotênico para postular a inferioridade dos negros. Eysenck tomou três fatos e valeu-se da tese da neotenia para construir com eles a seguinte história:
1) os bebés e as crianças de raça negra apresentam um desenvolvimento sensório-motor mais veloz que o de seus congéneres brancos — isto é, são menos neotênicos porque ultrapassam com maior rapidez o estágio fetal;
2) aos três anos de idade, o QI médio dos brancos supera o QI médio dos negros;
3) existe uma ligeira correlação negativa entre o desenvolvimento sensório-motor durante o primeiro ano de vida e o QI posterior, ou seja, as crianças que se desenvolvem mais rapidamente tendem a apre¬sentar posteriormente um QI inferior. Esta é a conclusão de Eysenck (1971, p. 79): "Estes fatos são importantes porque, segundo uma concepção biológica bastante generalizada [a teoria da neotenia], quanto mais prolongada é a infância, geralmente maiores são as capacidades cognitivas ou intelectuais da espécie. Esta lei parece ser válida até mesmo dentro da própria espécie."
Eysenck não percebe que seu argumento está fundamentado numa correlação provavelmente não causal. (As correlações não causais são a ruína da inferência estatística — ver Cap. 6. São perfeitamente "verdadeiras" em um sentido matemático, mas não demonstrou a existência de nenhuma relação causal. Por exemplo, podemos calcular uma correlação espetacular — muito próxima do valor máximo de 1,0 — entre o aumento da população mundial durante os últimos cinco anos e o aumento da separação entre a Europa e a América do Norte por causa da deriva dos continentes.)
1) os bebés e as crianças de raça negra apresentam um desenvolvimento sensório-motor mais veloz que o de seus congéneres brancos — isto é, são menos neotênicos porque ultrapassam com maior rapidez o estágio fetal;
2) aos três anos de idade, o QI médio dos brancos supera o QI médio dos negros;
3) existe uma ligeira correlação negativa entre o desenvolvimento sensório-motor durante o primeiro ano de vida e o QI posterior, ou seja, as crianças que se desenvolvem mais rapidamente tendem a apre¬sentar posteriormente um QI inferior. Esta é a conclusão de Eysenck (1971, p. 79): "Estes fatos são importantes porque, segundo uma concepção biológica bastante generalizada [a teoria da neotenia], quanto mais prolongada é a infância, geralmente maiores são as capacidades cognitivas ou intelectuais da espécie. Esta lei parece ser válida até mesmo dentro da própria espécie."
Eysenck não percebe que seu argumento está fundamentado numa correlação provavelmente não causal. (As correlações não causais são a ruína da inferência estatística — ver Cap. 6. São perfeitamente "verdadeiras" em um sentido matemático, mas não demonstrou a existência de nenhuma relação causal. Por exemplo, podemos calcular uma correlação espetacular — muito próxima do valor máximo de 1,0 — entre o aumento da população mundial durante os últimos cinco anos e o aumento da separação entre a Europa e a América do Norte por causa da deriva dos continentes.)
Suponhamos que o QI negro mais baixo seja consequência da maior pobreza do ambiente. O rápido desenvolvimento sensório-motor é uma das formas de identificar uma pessoa negra, embora não tão precisa quanto a cor da pele. A correlação entre a pobreza do meio ambiente e o QI inferior pode ser causal, mas a correlação entre o rápido desenvolvimento sensório-motor e o QI inferior provavelmente não é causal—nesse contexto, o rápido desenvolvimento sensório-motor serve simplesmente para identificar as pessoas negras.
O argumento de Eysenck ignora o fato de que as crianças negras, numa sociedade racista, geralmente vivem em meios mais pobres, o que pode provocar um QI inferior. Entretanto, Eysenck invocou a neotenia para conferir um significante teórico, e com ele um caráter causal, a uma correlação não causal que corresponderia aos seus preconceitos em favor da hereditariedade."
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A FALSA MEDIDA DO HOMEM - páginas 111-120, da Editora Martins Fontes (obs: não encontrarão na Internet).
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Depois posto aqui a parte da Antropologia Criminal, e de como os ditames evolucionistas foram usados para justificar mais esta forma de racismo, cuja essência residia na pecha do "o macaco em todos nós", lema este que lamentavelmente ainda persiste em nossos dias numa mentalidade retrógrada.
É isso!
Link no Orkut:
O argumento de Eysenck ignora o fato de que as crianças negras, numa sociedade racista, geralmente vivem em meios mais pobres, o que pode provocar um QI inferior. Entretanto, Eysenck invocou a neotenia para conferir um significante teórico, e com ele um caráter causal, a uma correlação não causal que corresponderia aos seus preconceitos em favor da hereditariedade."
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A FALSA MEDIDA DO HOMEM - páginas 111-120, da Editora Martins Fontes (obs: não encontrarão na Internet).
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Depois posto aqui a parte da Antropologia Criminal, e de como os ditames evolucionistas foram usados para justificar mais esta forma de racismo, cuja essência residia na pecha do "o macaco em todos nós", lema este que lamentavelmente ainda persiste em nossos dias numa mentalidade retrógrada.
É isso!
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